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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O torçal mágico





Regência Sabará era uma solteirona que vivia há anos em um apartamento de dois quartos no centro da cidade em companhia apenas de seus muitos livros e um gato velho e preguiçoso chamado Bilac. Deu-lhe o nome do escritor por ser o seu favorito, e quando percebeu que não se tratava de uma homenagem era tarde demais, pois o animal não atendia por nenhum outro nome que lhe dessem.


A doce senhora de mãos de fada e olhos negros ainda curiosos, acostumada aos livros como a amigos e companheiros, encontrou em seus guardados um torçal que havia esquecido dentro de um baú de viagens, fechado há pelo menos cinqüenta anos. Apesar do tempo que permaneceu guardado, o torçal parecia novinho em folha. Esquecida do motivo pelo qual guardara tão bem aquele objeto de beleza fantástica, Regência Sabará o amarrou inocentemente à cintura. Mal terminou de dar o nó, o apartamento girou ao seu redor e ela não soube explicar o que acontecia. Parou deitada num campo de margaridas, sentindo uma brisa suave soprar sobre seu corpo e estranhou alguns fios de cabelos castanhos caídos sobre seu rosto. Quando ergueu a mão para afastá-los, percebeu que eram seus e levantou de um salto. Olhou para seus braços e pernas, tocou seu rosto, o corpo também e, assustadoramente, constatou que havia voltado no tempo a uma época longínqua e maravilhosa. Com certeza tinha seus vinte anos de volta.


Ao invés de se apavorar como qualquer pessoa faria, alegrou-se tanto que começou a dançar; dançava tão divinamente que não sentia o chão sob os pés. Foi flutuando até o galho mais alto de uma árvore e observou a paisagem. Até onde sua visão poderia alcançar, havia colinas e vales, serpeados por riachos cristalinos e salpicados de animaizinhos minúsculos por causa da distância. Pensou em Bilac. Como será que ele estava agora? Levantara-se de seu tapete moradia? Sentira falta dela? Afastou os pensamentos rapidamente, temerosa de ser mandada de volta para o apartamento pequeno e solitário, seu lar há tantos anos. Pensou em como faria para chegar à beira de um dos rios, pois sentia sede. Foi só pensar que apareceu ao lado de um rio largo e tão profundo que suas águas eram bem escuras e as bolhas que o vento fazia na superfície, pareciam estrelas piscando para Regência, e cortinas balançavam tocando-lhe a face.


Cortinas?


Regência abriu os olhos e percebeu que se encontrava em seu apartamento, sentada em sua poltrona favorita, com Bilac no tapete à seus pés. A janela aberta deixava entrar um ventinho gostoso, e o céu da noite estava repleto de estrelas.


Caído no tapete ao lado do gato havia um livro. Abaixou-se, pegou-o e leu o título: O torçal mágico. Então sorriu e pensou:


“Foi isso afinal.”


segunda-feira, 26 de setembro de 2011









Ontem



Amarelinha

Cabra - cega

Pique – esconde

Pique – pega

Salada mista

Passa anel

Pipoca de tarde

Pula corda

Pique – alto

E bandeira

Telefone se fio

Batalha naval

Um futebolzinho

Sorvete aos sábados

Adedonha

Bola de gude

Olha a pipa

Avoada!

Algodão – doce

Bicicleta

Domingo na praça

Carrossel

E escorregador





Hoje



Acorda cedo

De madrugada

Faz a comida

Passa o café

Põe a mesa

Chama as crianças

Arruma para a escola

Toma banho

Vai para o trabalho

Almoça em marmita

Paga as contas:

IPTU

IPVA

Aluguel

Mercado

E tantas outras...

Leva criança para a cama

Conta uma história

Um filme na TV

Mas o sono chega



E sonha com um mundo

Que não existe mais.












Se eu soubesse o que seria de nós...






Entre nossas casas costumava haver uma ponte de estrelas, ainda as vejo, piscando, todas quase ao mesmo tempo, nas minhas lembranças malogradas. Por um instante penso em como foram parar lá, mas depois me lembro de que isso não importa. À época eu acreditava que fosse obra sua, não havia outra explicação para meu coração apaixonado. Sempre que me recordo de todas as surpresas que me fizestes, tenho todas guardadas no lugar das coisas mais valiosas do meu coração. Essa ponte de estrelas unia nossas casas nas noites de verão, quando nos encontrávamos debaixo de nossa árvore, e nos iluminava em direção ao lago que havia a poucos metros de nossos quintais enquanto corríamos nus, sentindo o ar gelado da noite, depois a água morna e o calor de nossos corpos. Era possível ouvir seu coração batendo incontrolavelmente, mesmo com o meu pulsando nas minhas orelhas. Só nós dois e o que sentíamos. Incrível como o tempo muda os sentimentos, soterra as emoções com outras mais recentes e menos nobres. Eu não acreditaria em nenhuma previsão de que perderíamos tudo aquilo. No entanto, perdemos.


Não me lembro muito bem do momento exato, talvez porque não tenha acontecido assim. Foi uma sucessão de fatos, de mágoas, de erros que cometemos. Sim, nós dois. Sei que te responsabilizei, mas hoje percebo o quanto contribuí para que o lago, as emoções, as estrelas ficassem para trás. Completamente. A última gentileza que fizemos foi nos separarmos. Depois, só ofensas e dor. Mas sempre me lembro do lago, de voltarmos exaustos e sorridentes, de no dia seguinte olharmos os beirais de nossas janelas procurando os bilhetes que trocávamos. A mangueira ainda tem nossos nomes tatuados dentro de um coração flechado. Ah, os clichês! Como éramos cretinos e imbecis! E como éramos felizes! Agora mesmo, nesse exato momento, tudo o que eu queria era encontrar a ponte de estrelas unindo nossas casas adolescentes, mas até os astros confirmam que nossa ponte foi derrubada. Só gostaria de sentir mais uma vez a euforia entorpecente da paixão desmesurada, escandalosa e autocentrada. Gostaria de dar adeus a toda essa prudência, a todo comedimento, a essa ninharia de sentimentos e me jogar daquela ponte em você.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Essa noite











Abra tua boca. Põe na minha a tua língua. Desliza teus dedos por minhas costas até minhas ancas efervescentes. Ultrapassa minhas fronteiras e se une a mim, definitiva e desesperadamente.

Dia típico na Rua Velha da Praça - um miniconto.






Diariamente Marília abre as janelas de casa de par em par, só para ver Heitor passar; mas o rapaz não se dá conta, porque tem os olhos voltados para Amanda, que varre a calçada de Dona Lola na esperança de trocar duas palavrinhas com Tadeu. E da praça, Juvenal observa.

A falta que você me faz.







Cresci nessas ruas magrelas, de chão batido e casinhas desbotadas. Vivia com os joelhos ralados, a poeira estancando o sangue. Mas acabaram-se as brincadeiras, você se foi e eu estou só. Quem irá estancar agora o sangue imaginário que escorre do meu corpo? Quem dará um fim à minha dor?

Carpideira







Enterrou dois maridos. Ficou tão bem no papel de viúva que decidiu entender o luto um pouco mais. Começou pelos velórios dos amigos, depois dos amigos destes, até tornar-se profissional. Hoje nos encontramos em um enterro e eu a ouvi rejeitar dois porque sua agenda está lotada.

Infância




A menina ia para a escola na garupa da bicicleta do avô. E ele era todo orgulho desfilando com sua neta-estudante. Hoje a bicicleta não existe mais, só os ensinamentos que o caminho para a escola imprimiram no caráter da menina, muito mais que os livros e cadernos.

Cena de Crime!






Estendido sobre o tapete da sala, mãos amarradas às costas, sangue sob o abdomem... Tão bonito enquanto o coração batia! Agora um amontoado de carne e horror que faz a gente não querer mais olhar. E sua privacidade tornou-se cena de crime!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Pra não dizer que não falei de vampiros...






Não tenha medo das palavras - um microconto


No ônibus para o centro - um microconto



O garoto entra e diz que vende jujuba, balas de hortelã e bananada, mas ninguém lhe dá ouvidos. Ninguém vê que deveria estar na escola, que suas roupas estão surradas e os pés sujos. Ninguém vê que sua alma pede abrigo e que se pudesse não estaria ali. O ignoram na esperança de que ele desapareça e elas possam continuar suas vidas vazias.

Sintonizados - Um microconto

- O que é que você gostaria de fazer hoje, amor?
- Não sei, talvez um cineminha...
- Que tal alugarmos um filme?
- Poderíamos ir a um bom restaurante!
- E se pedíssemos pizza?
- Ouvi falar de uma peça...
- Tem um jogão no outro canal mais tarde.
- Dá um beijo?
- Quem sabe uma rapidinha?!

Nostalgia - Um microconto




Sinto falta do teu corpo pressionado contra o meu. Há dias assim, nos quais me recordo de nossas noites insones. Há outros nos quais não consigo esquecer do teu cinismo. Ponho tudo em minha Balança para Avaliação de Importância e prefiro comer chocolates a continuar com saudades.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Chantagenzinha pseudo-romântica


Meu coração vai molemente dentro do táxi. Olho a paisagem, mas não vejo. Minha cabeça ainda esta naquela despedida, repassando cada gesto, cada palavra, tentando entender como fomos tão estúpidos. Seria possível voltar tudo até antes de nos perdermos? Seria mais que um desejo ingênuo tentar resgatar o que nos uniu? Gosto do movimento do carro, deslizando pelas ruas mortas desse domingo de Ramos. Gosto de não ser interrompida e peço ao motorista para dirigir sem rumo pela cidade fantasma, até que eu dê o sinal para me levar para casa novamente. Abro um pouco a janela para que o vento fresco toque meu rosto e seque minhas lágrimas. Odeio ar-condicionado. Não se pode chorar impunemente com o ar condicionado. O taxista olha de vez em quando pelo retrovisor e torce a cara. De que ele está reclamando? Vai ganhar uma nota pela corrida! Deixe-me em paz e dirija! Tenho direito a uma crise de choro depois do fim de um casamento de tanto tempo. Enquanto choro em movimento, ele arruma as malas e sai. Não quis ficar para vê-lo sair. Achei que se não visse seria como se não tivesse acontecido. Que sorte Melinda já estar casada! Que sorte?! Talvez isso mesmo tenha antecipado as coisas. A ausência de nossa filha alargou o buraco que foi se formando entre nós com o passar do tempo. No início do casamento as diferenças são um charme, depois de um tempo passam a ser o motivo pelo qual você questiona sua escolha. No dia seguinte ao casamento de nossa filha, ele passou a dormir no escritório e eu, na porta mendigando atenção. Isso não poderia ter dado certo, não é mesmo?  Quando Melinda soube levou um choque. – Ah mamãe, como isso foi acontecer? E eu querendo saber a mesma coisa.

- Motorista?

- Pois não, senhora.

- O senhor pode de me levar para casa agora.

- A senhora não acha melhor dar mais um tempo? Até para de... a senhora sabe... chorar?

- Ora, como ousa?

- Desculpe-me senhora, só quis ajudar.

 E agora essa! Só quis ajudar. Se ele quiser ajudar pode começar convencendo o Mauro a ficar. Ele nem sabe fazer as malas! Volto para minha casa a hora que eu bem entender. Sei que não deveria, mas quem sabe ele não desiste se me vir sofrer?! Quem sabe um pequeno escândalo? Só uma última humilhação! Se surtir efeito, que mal terá? Afinal de contas, Mauro sempre gostou de me humilhar um pouquinho. Tem um prazer sórdido em me ver desesperada por ele. Ou será que sou eu quem gosta de fazer o papel ridículo? Quem sabe a essa altura! Acho que já sei. Posso me oferecer para fazer as malas. Conversa vai, conversa vem, eu penso em alguma coisa. Talvez eu até passe um pouquinho mal. Acho que vou ligar para a Melinda. Ela sempre o comove com seu ideal de família unida. Ela sempre foi seu ponto fraco. Talvez não seja muito honesto de minha parte, mas vou chorar mais um pouquinho.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O Mequetrefe



Suave Formosura odiava seu nome até a raiz de seus cabelos. O motivo era óbvio para quem a conhecia: não possuía nada de suave, pois era a personificação dos desastres naturais, e, para piorar, pertencia a uma família de lindas mulheres e era a única desprovida de dotes físicos ou intelectuais. Recebeu das irmãs o apelido de Carrapicho, não por causa de seu cabelo liso e dourado, mas porque era indiscutivelmente indomável. Seu sonho sempre fora se mudar da pequena cidade em que morava com os pais e nove irmãos. Nenhum deles estudou muito e, logo cedo, ajudavam o pai na roça. Enquanto carregava a caminhonete da família de abacaxis ou cavava a terra com a enxada e sentia seus dedos arderem no constante contato com o cabo, Formosura se distraía com pensamentos de princesa raptada que aguardava o príncipe que a tiraria de uma vida sem aventuras; algumas vezes, tinha certeza de que, não fosse sua imaginação, jamais poderia suportar tanto trabalho e tanta pobreza.
Foi pensando nesse príncipe que resolveu não deixar a oportunidade passar quando a viu chegar de terno, gravata, e uma pasta preta de couro surrada. Seu nome era Juvenal Arantes Louzada. A estrutura física imponente, a pele morena e o peito largo e musculoso, não combinavam com o sorriso tímido e a indecisão dos olhos. Chegou de maneira inesperada para visitar os irmãos e chamou a atenção imediata de todas as meninas em idade de se casar e com sonhos de viver os romances que ouviam no rádio. À noitinha, todos os moradores tinham o costume de se reunir na Praça Vinte e Um de Outubro, e era de se esperar que o forasteiro não fugisse ao lugar comum. Olhos femininos perscrutavam tudo o que estivesse ao alcance de sua visão, procurando a novidade e uma oportunidade de travar amizade – o primeiro passo em direção ao altar. Juvenal, sujeito experiente e de propósitos questionáveis, teve a esperteza de não aparecer na primeira noite justamente com o intento de provocar entre as jovens a curiosidade que leva à imprudência. Passou assim, recluso, inclusive o sábado, dia internacional dos solteiros se reunirem.
No domingo pela manhã, quando a cidade se espreguiçava para espantar a cama das costas, Juvenal resolveu ir à padaria. O alvoroço foi geral. Cabeças ainda repletas de rolinhos apareceram por todos os lados, mãos delicadas destrancando as janelas eram seguidas de ombros que se empurravam para conseguir espaço e os risinhos se encontraram no ar para formar uma canção que embalava os passos convencidos do mequetrefe. No canto da boca levantado, via-se que Juvenal sabia que seu plano estava no caminho certo.
Desde esse dia, Juvenal começou a andar pela cidade com “ares” de homem sério, sempre bem arrumado e perfumado, vestido em terno de linho para não fugir do vulgar. Reunia-se com os homens da cidade para tratar de negócios e vendia terrenos na praia para os fazendeiros da região a preços bem abaixo do mercado. Às meninas dizia que possuía um excelente apartamento na Capital e que só estava ali porque as saudades da família o estavam deixando deprimido e precisava recobrar o ânimo. Prometeu-lhes uma vista para o mar e bailes todas as noites enquanto as transformava em mulheres sorridentes e desejosas do próximo encontro. Só não levou para o barracão abandonado às margens da Lagoa do Eremita, as senhoras, as crianças e Suave Formosura.
A menina parecia alheia ao desprezo que o rapaz lhe dispensava. Tinha os pensamentos voltados para Juvenal até quando dormia. Sua obsessão tornou-se o motivo de cada batida de seu coração, e como era de vontade inabalável, arrumou suas coisas e esperou. Sabia das cafajestagens de Juvenal e onde elas o levariam, ficou atenta para pegar a ocasião no voo.
Quando Doutor Diamantino voltou da Capital dizendo que não havia terreno nenhum à venda e que o cartório garantiu que os documentos de Juvenal não valiam absolutamente nada, os homens não puderam mais fazer vista grossa às intimidades de suas mulheres e filhas com o salafrário e empreenderam uma busca com a intenção de fazê-lo pedir perdão a Deus pessoalmente. Suave Formosura alcançou Juvenal antes de todos, contou-lhe o que se passava e o plano que tinha para fugirem dali. Juvenal não gostou nada do plural da frase, mas percebeu que se tratava daquelas situações nas quais é melhor ser contrariado que morto e seguiu Formosura. A menina o escondeu na caminhonete da família, entre as caixas do abacaxi colhido para a feira do dia seguinte. De madrugada, os dois empurraram o caminhão a uma distância segura e rumaram para a cidade mais próxima. Formosura deixou a caminhonete com um amigo de seu pai e pediu a ele que entregasse também um bilhete que explicaria tudo. Juvenal queria se ver livre da menina, mas saiu com a roupa do corpo e decidiu que a manteria por perto até que pudesse se virar sozinho novamente. Isso acabou se tornando impossível, pois Formosura agarrou-se a ele como uma sombra e fez-se necessária a cada instante até que Juvenal não soubesse mais viver sem ela.
O casal passou a viver de pequenos golpes e Formosura se mostrou ainda mais sem caráter que Juvenal, planejando desonestidades com o intuito de conquistar a admiração do cúmplice. Quando o tempo passou trazendo consigo os filhos desnutridos e adoentados, Formosura transformou-se no pior inimigo que Juvenal poderia ter e seus dias eram uma sucessão de miséria e brigas, que só paravam para encomendar mais uma boquinha que disputaria com os irmãos o peito da mãe e os carinhos do pai.
Apesar de amar os filhos com sinceridade, a convivência com a mulher passou a ser insuportável. Juvenal passava a maior parte do tempo fora de casa e não escondia de Formosura as inúmeras amantes que colecionava. Algumas vezes, ela mesma o buscava na casa de alguma vizinha, e não raro saía no tapa com as rivais.
Traída e humilhada, Formosura recorreu aos parentes e suplicou para que a aceitassem de volta. Seu pai, que nunca havia se conformado com sua ausência, mandou que Alma Celeste – a mais velha das irmãs – fosse ao encontro da pródiga para buscá-la.
Formosura combinou com Celeste que sua presença na casa deveria parecer uma visita de reconciliação, afinal, o marido jamais permitiria que ela fosse embora com os filhos. De acordo com o plano, quando ele saísse para o que chamava de trabalho, as mulheres poriam as crianças na caminhonete com algumas das tralhas que Formosura acreditava fazerem parte da partilha de bens e dariam adeus àquela vida esmolada para folgar no pequeno sítio da família, que agora parecia o paraíso para a filha ingrata.
Formosura sentia o coração bater descompassado de saudades dos irmãos, dos pais, e até dos abacaxis espinhentos que cresceu cultivando. Pensou que não suportaria passar ainda uma noite inteira na expectativa de se ver livre de um sonho malfadado, mas se deitou com angústias de se despedir do homem a quem deu seu coração, e quase tocou seu ombro para mendigar uma despedida decente. Pensou no que seria dele sem alguém que o amasse, e dormiu entre lágrimas que bem poderiam ser de tristeza ou alívio, - ela mesma não saberia precisar – para acordar poucas horas depois com os soluços da irmã no sofá da sala. Como Juvenal não estava ao seu lado na cama, soube de que mal Celeste sofria antes mesmo de entreabrir a porta e constatar que sua despedida havia sido dada à outra. Voltou para a cama com a tranqüilidade de quem já sabia o que fazer. Esperou que Juvenal voltasse e dormisse o sono dos satisfeitos, chamou a irmã e disse:
- Vamos agora.
Formosura pegou os filhos ainda dormindo enrolados em cobertores, deitou os mais velhos na carroceria da caminhonete e o bebezinho no colo da irmã no banco do carona, voltou para casa, pegou a faca mais afiada da cozinha e cortou a garganta do marido. Não parou para olhar, sequer lavou as mãos. Entrou na caminhonete e, quando Celeste lhe perguntou o que havia acontecido, respondeu suave como o próprio nome:
- Querida, você não ia querer que eu te mostrasse.

  







Se eu pudesse te falar...







Tinha quarenta e poucos anos e os cabelos já todos brancos. Magra, de ossos largos e um pouco mais alta que a média das mulheres. Os olhos azuis cinzentos eram cansados demais para sua idade. Guilhermina Gutierrez era uma mulher de costumes severos e exigia de si um pouco menos do que das outras pessoas: a perfeição e o impossível.
Quando jovem, "desencaminhou-se" com um rapaz muito bonito que a prometeu casamento, filhos, e uma casa bem grande num subúrbio carioca. Não teve qualquer uma dessas promessas cumpridas e, após alguns meses de namoro, viu-se sozinha com uma filha para cuidar. A menina foi entregue aos pais de Guilhermina assim que nasceu e foi criada como uma irmã mais nova da própria mãe. Chamava-se Cristina e era linda.
Guilhermina foi para o interior lecionar em um colégio de moças quando Cristina ainda era bem pequena. Torneou-se diretora com o passar do tempo e levava o colégio com a austeridade de um Chefe de Estado, recebendo dos pais das alunas a mais sincera confiança. Não admitia que as meninas tivessem tempo livre e ensinava-lhes francês e piano nos intervalos das aulas regulares. As meninas que não iam para casa nas férias, a diretora inculcava o latim, além de toda a sorte de prendas domésticas. Sua fama de exigente, porém, não lhe fazia justiça, pois também era dedicada e amorosa. Pensava que todas eram suas filhas  e as amava com devoção.
Um dia, recebeu o convite de casamento de sua menina, e não poder ocupar o lugar de mãe na cerimônia lhe doía como se ferros incandescentes lhe atravessassem o peito. Chorou durante toda a vida essa dor, mas sufocou-a como tantas outras no porão das lembranças infelizes.
Quinze anos se passaram e ela recebeu a neta como aluna. Esquecia-se de trata-la como sobrinha e a menina achava graça, atribuindo à idade, sem perceber que a senhora não era tão velha assim. Dona Mina, como passou a ser chamada no internato, realmente envelhecera demais para a idade, já não possuía a firmeza no porte que lhe fez parecer mais alta do que na verdade era, confundia o francês com o latim e não dava conta de vigiar as fugas das moças nas noites de festa na cidade. A vida monástica e a impossibilidade de expressar à filha todo o amor que havia para ela em seu coração acrescentaram dez anos a cada uma que vivia, e sentia-se como uma anciã pré-diluviana. A única coisa que a fazia remoçar era quando escovava os cabelos da neta e contava-lhe as aventuras da infância, passada numa pequena cidade, a sétima de doze irmãos. Relembrava as estripulias de menina e inventava finais diferentes para cada uma das histórias. E era como se as tivesse vivido assim.

Florentino Figueiras






Em frente a minha casa havia uma família composta de um pai e três filhas: Maria Violeta, Maria Rosa e Maria Hortênsia.  A mãe havia morrido há alguns anos e lhes cabia cuidar do pai e dos afazeres domésticos. Tinham entre 17 e 20 anos e a beleza das princesas imaginárias. Eu era apenas um menino de 13 anos, a cara cheia de espinhas, e morava com minha mãe a minha avó; só o que eu podia fazer era observar cada passo e cada gesto das Marias, dando especial atenção a Maria Hortênsia.
O problema é que eu não era o único; os meninos da rua dormiam e acordavam com os pensamentos tomados por aqueles passos de corças, aqueles rebolados de gata e o cheiro de flores que se desprendia das três irmãs. Sentávamos no muro de minha casa e observávamos enquanto varriam a calçada, regavam as plantas, estendiam as roupas ou sacudiam os tapetes. De tardezinha, sentavam-se as três na varanda, com suas cestinhas de vime ao lado; tiravam de dentro delas, cada uma o seu bordado e esperavam o pai chegar do trabalho. No verão, vendiam saladas de frutas e empadinhas de queijo, e eu gastava quase todo o dinheiro que ganhava como entregador de jornal, saboreando seus quitutes e pensando que suas mãos suaves tocaram aqueles alimentos. Era um fanatismo que me consumia por inteiro.
Assim foi se passando o tempo; A mais velha, Maria Violeta, casou-se no ano seguinte e se mudou para o norte do país em alguma cidadezinha às margens do Rio Negro, onde seu marido trabalhava como médico. Dois anos depois, contraiu febre amarela, e morreu sem deixar um filho que pudesse consolar a família. Maria Rosa, a do meio, ficou noiva de um sargento conhecido na cidade por seu temperamento violento e um forte vício no jogo que fez com que a morena lhe tivesse pena no lugar de amor. Sempre que bebia e se metia em confusão, mandava seu irmão mais novo explicar à menina os motivos de suas ausências. Eram tantas desculpas, e tantas explicações, que Fabrício, o cunhado, consolou Maria Rosa de todas as tristezas; de forma que, quando o sargento pegou 30 dias de detenção por alguma falta em sua conduta, Fabrício e Rosa fugiram da cidade para viver sua felicidade longe da fúria do noivo desdenhado e irmão traído. Esse, Quando soube do acontecido, jurou que mataria os dois se atrevessem a cruzar seu caminho novamente. Maria Rosa e Fabrício nunca mais puseram os pés em Açucena, e se comunicavam com a família através de cartas que Rosa mandava para Hortênsia, protegida sob a falsa identidade de Rosauro Aparecido, um irmão arranjado para seu pai. Soube, tempos depois por minha mãe, que o casal foragido teve três meninos e uma menina, a quem deram o nome de Violeta.
Na grande casa branca de janelas duplas pintadas de amarelo, só sobraram o velho pai e Maria Hortênsia – meu amor de juventude - quase não se via mais ninguém, e, a nova geração de moleques apelidou a casa de Assombro da Rua Calçada. Eu ainda olhava as grandes janelas na esperança de ver minha flor preferida, mas só via as luzes que se apagavam pontualmente às dez horas, e a casa lembrava vagamente o jardim de delícias que fora um dia.
Às vésperas de meu embarque para a Capital, onde eu me faria Bacharel em Direito como meu pai, ouvi meu nome seguido de três batidinhas leves na janela do quarto. Abri apreensivo e quase caí sentado com o que vi: Maria Hortênsia, me encarando com seus olhos de pantera, a boca carnuda brilhando, os cabelos soltos voando como plumas negras em torno de seu rosto. Senti o cheiro de flores vindo em minha direção como duas garras, entrando em meu peito e arrancando meu coração diante de meus olhos; procurei o chão com os pés, mas não havia nada; reuni as forças que ainda restavam e tentei falar, mas a voz não saía.
- Vai me convidar para entrar ou não? – ela disparou; e eu saí da frente da janela entorpecido como uma presa prestes a ser devorada.
Hortênsia sussurrou ao meu ouvido que tinha vindo me dar um presente de despedida. Disse que esperou durante anos que eu me declarasse e como não tomei atitude alguma, resolveu mandar o protocolo às favas, pois tinha certeza de que não me veria jamais depois que nos afastássemos. Passou os braços pelo meu pescoço e me fez homem ali mesmo, na minha pequena cama de solteiro, com a janela aberta e minha mãe no quarto ao lado. Saiu ainda de madrugada, me deu um último beijo e disse que não me esqueceria jamais. Eu, por minha vez, o coração apostando corrida com o vento, fiz promessas de amor eterno, e de que seríamos felizes para sempre depois que eu voltasse formado para buscá-la. Hortênsia saiu pela janela tão surpreendentemente como entrou, com a rapidez e precisão dos felinos, e eu fiquei ali, olhos pregados no teto, pensando que nunca mais seria tão feliz como naquela noite.
Fui para a Capital algumas horas depois e, diferente do que havia prometido, a lembrança de Maria Hortênsia se misturou no meu passado com as lembranças de outras Marias e outras mulheres; os anos se passaram soterrando os sentimentos debaixo de outros novos e de experiências que não sonhava viver na minha pequenina cidade, debaixo das saias da minha mãe ou de minha avó. Aos poucos fui perdendo o rapazote que sentava no muro e adorava as flores do jardim vizinho. Tornei-me doutor, casei-me e tive filhos. Vinte anos se passaram antes que eu voltasse a minha terra.
A ocasião que me levou de volta aos meus tempos de menino foi a notícia de que minha avó morrera. Dona Aurora tinha noventa e oito anos e uma saúde de ferro; no dia mesmo de sua partida fez o almoço, pois queria seu prato preferido: galinha à cabidela. Depois que comeu, deitou-se dizendo à filha que não a incomodasse até o entardecer. Quando minha mãe entrou no quarto e  viu-a dormindo com um leve sorriso na boca e a expressão dos ausentes, percebeu o que havia acontecido. Avisou-me quase que imediatamente e, em pouco tempo, eu e minha família nos colocamos a caminho de Açucena para velar aquela que fora minha segunda mãe.
Ao chegar à rua de meu passado, muitos sentimentos reacenderam em meu coração, mas me vi envolvido com os preparativos para o enterro, recebendo convidados, providenciando comida e bebida que acabava e, consolando minha pobre mãe que chorava sem trágua, que não pude dar atenção aos sentimentos confusos que me assaltaram. Ao voltarmos do Cemitério Municipal, sentamos à varanda para tomar o chá da tarde e colocar os assuntos em dia; conversávamos sobre as providências para a mudança de mamãe e a venda da casa da família, quando vi no jardim de Hortênsia um rapaz podando as árvores. Minha mãe percebeu onde meus olhos haviam parado e explicou;
- É Rafael, filho de Maria Hortênsia, mora sozinho na casa desde que a mãe morreu, há um ano. É um bom menino.
Ao som dessa notícia, meu corpo pesou como se eu tivesse mais de um século. Deitei a xícara na mesa do jardim, levantei-me e disse:
- Vou cumprimentar o rapaz.
Cruzei a rua com a impressão de ter os olhos de minha mãe cravados à nuca e uma sensação horrível de que algo estava errado. Cheguei ao portãozinho de ferro e chamei:
- Rapaz!
Ele desceu as escadinhas de pedra e se postou a minha frente: - Pois não?!
Só então pude ver seu rosto, e percebi que se parecia com a mãe em tudo, exceto nos olhos, que eram do mesmo azul dos meus. Isso não me deixou atordoado, pelo contrário, fez sentido dentro de mim imediatamente.
- Conheci sua mãe... vim para cumprimentá-lo...sinto muito – respondi, hesitante.
- Obrigado. Desculpe, eu conheço o senhor?
- Não. Desculpe-me você, eu devia ter me apresentado. Sou filho de dona Consuelo, estou aqui para o enterro de minha avó.
- Hum... já ouvi falar no senhor. Sinto muito pelo senhor também, dona Aurora era incrível. Meu nome é Rafael Dores, a seu dispor.
- Florentino Figueiras.

E conversamos sobre a doença de sua mãe e como nos conhecemos; ele me deu notícias da cidade e eu lhe falei sobre a Capital. Soube que pretendia fazer uma viagem pelo país para conhecer alguns lugares e convidei-o a ficar em minha casa quando fosse à Capital. Despedi-me com a certeza de que aquela noite em meu quarto tinha deixado muito mais que saudades, e a esperança de poder cumprir, no filho, a promessa feita à mãe, há tantos anos. 

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Reflexões de uma insone








Noite alta, um bêbado passa trôpego e cai. Desde que descobri esse carocinho em meu corpo, tão presente e indesejado, passo as noites acordada, vendo o mundo noturno de minha rua pela janela. É impossível resistir ao desejo de ser eterna, mas é preciso aceitar a própria impotência diante de uma realidade como essa: não podemos impedir que a fatalidade nos alcance.


Obviamente, estou numa fase muito reflexiva e, a primeira pergunta que me fiz quando minha finitude desfilou diante de meus olhos, esvoaçante e enérgica, foi se valeu à pena. Valeu? Valeu?! Seja como for, nunca estaremos satisfeitos. EU nunca estarei satisfeita. Poderia ter feito teatro, ter ido à Paris, viajado o mundo de mochila nas costas, aprendido mandarim. Mas não! Pensei na estabilidade, no amor, em não sair de perto dos meus pais,... em Carlos. E quando ele me garantiu que seríamos felizes e inseparáveis, não tive dúvidas ou reservas, entreguei-me desarmada, como se não pudesse existir verdade além de nós dois. É claro que ele não pareceu mais tão certo de nosso futuro depois que descobrimos que não estaríamos sozinhos.


Quando Marisa nasceu, morávamos na casa de meus pais. Foi uma fase difícil, mas olhando para trás constato como éramos felizes. Aquele quartinho apertado, esbarrar no berço cada vez que nos levantávamos da cama, a otite de Marisa... nada disso foi pesado porque estávamos juntos. Então compramos nosso apartamento e tivemos que enfrentar outros tipos de desafios. Foi uma barra conciliar nossos empregos, a creche de Marisinha, a doença do meu sogro, o nascimento de Artur, os malabarismos financeiros e todas aquelas ausências de Carlos. Optei por não parar de trabalhar e agora me arrependo um pouco disso. Sei que estaria arrependida se tivesse abandonado a carreira também. A gente sempre considera um pouco a opção que não adotou. Chega um ponto da vida que a gente pensa como seria se tivesse feito outras escolhas. Acredite!


Bem, depois da morte do meu sogro, Carlos e eu tivemos uma crise terrível em nosso casamento. Descobri o motivo de suas ausências e não foi fácil superar essa fase. Felizmente, soubemos separar o efêmero do duradouro em nossas vidas e, um bom tempo depois, voltamos a ser felizes. Digo um bom tempo porque não é rápido que se levanta depois de um golpe desses. Não é o sexo. Ok, não é somente o sexo. Pelo menos no meu caso, o que me enlouqueceu foi o medo de ficar sozinha, de ser preterida, de não ser a escolha de alguém. Também odiei saber que ele mentiu para mim, obrigando-me a desconfiar de cada palavra dali em diante. Odiei cada fio de cabelo de Carlos por ter me feito de idiota, por tê-la apresentado a amigos, por me humilhar publicamente. E isso não é coisa que se perdoe com um simples pedido de desculpas.  Levamos dois anos para voltar a dormir no mesmo quarto, três para ele sair novamente com os amigos e cinco para eu não quebrar a casa quando ele chegava tarde, mas superamos. Foi quando o Arturzinho precisou operar o apêndice. A dor tem esse poder de unir as pessoas. Nosso filho ali, internado com infecção generalizada, e a gente jurou nunca mais dar importância a bobagens. Saímos daquela situação mais fortes e mais unidos.


As crianças cresceram, compramos uma bela casa, meu irmão se separou, Carlos foi promovido. Ah, a estabilidade! Pudemos respirar mais aliviados, mesmo com a escola das crianças pela hora da morte, os cursos paralelos, a festa de debutante de Marisinha e a compra do carro novo. Foi por essa época que Carlos passou a ter dores constantes no abdômen. “Gastrite”, ele dizia, e tome antiácidos para suportar o incômodo. Sem perceber, os anos correram adiante e a vida seguiu. Casamos Marisa, depois o Artur, minha sogra também se foi, depois minha mãe, tio Mário e papai; nosso primeiro neto nasceu quase ao mesmo tempo em que descobrimos o tumor no pâncreas do Carlos. Foi rápido, e estive ao lado dele a todo instante, minha obrigação e meu desejo. Sozinha, depois de trinta e oito anos de casada, vendi a casa e comprei esse apartamento. Não tinha sentido morar só numa casa de cinco quartos e piscina. A solidão acabaria vencendo, teria mais espaço para se abancar.


Há quinze dias encontrei esse carocinho inconveniente no seio esquerdo e não consigo aceitar que ele não esteja aqui para me tranquilizar, como fiz tantas vezes por ele. Depois de tantos anos, de tantas coisas que passamos juntos, de ter escolhido ele quando poderia ter feito outras escolhas... e me pergunto: valeu a pena? Ora, não seja idiota! É claro que valeu!      


Aparição Gentil






Aparição era o que podíamos chamar de síntese perfeita do significado do próprio nome: alta, loira, olhos brilhando como duas jades cravadas em seu rosto e a pele de cetim; mantinha os cabelos ondulados, cortados na altura do queixo, como uma moldura dourada de seu rosto de ninfa. Suas feições delicadas e o porte de bailarina renderam-lhes a fama de ser a mais bela mulher da cidade e, justamente por esse motivo, foi disputadíssima pelos rapazes quando chegou à idade de se casar. Mas seu coração pertencia a Horácio Gentil, o amigo de infância e vizinho, por quem sempre teve uma profunda paixão.


Horácio a pediu em casamento num dia de verão, depois que nadaram no lago Terena, quando ambos tinham apenas quatorze anos. Fez um anel com a parte flexível de um galho, trançando as pontas e amarrando-as com um pedaço de linha que puxou da camisa. Colocou no dedo da menina, ajoelhado como  havia visto na TV, depois beijou-lhe os lábios e só parou porque sentiu a cabeça rodar e teve medo de perder os sentidos  e dar a impressão errada. Casaram-se doze anos depois, quando Horácio assumiu os negócios do pai, que lhe deixou algumas casas de aluguel e o único mercado da cidade. O casal vivia uma vida abastada e feliz, como sempre havia sonhado, até que Aparição decidiu que já era hora de ter filhos e eles não vieram, nem no primeiro, nem no segundo, nem em nenhum dos muitos meses que tentaram nos seis primeiros anos de casamento. Quando completou trinta anos desesperou-se, passou a desejar ser mãe com tanta urgência que o próprio casamento caminhava para o fim, pois não olhava mais o marido com o carinho de antes, e sim como aquele que a privava do maior de seus sonhos.


Fizeram exames e nada foi detectado que pudesse ser a causa da ausência de um bebê em seus braços, mamando em seus seios ou acordando-a no meio da noite com o choro dos necessitados. Um dia, quando o marido chegou para almoçar e encontrou-a descabelada, com as roupinhas de bebê que juntou ao longo dos anos espalhadas pelo chão da casa e a comida queimando no fogão, percebeu que a mulher enlouquecia e chamou sua irmã, Emiliana, também amiga da esposa, para ajudá-lo a cuidar de sua amada e tentar resgatar-lhe o gosto pela vida.


Emiliana deixou sua própria casa decidida a ajudar o irmão e a cunhada, mas certa de que não poderia fazê-lo sozinha. Informou-se com os amigos e soube que casos assim precisam de uma intervenção profissional, pesquisou em toda a região e descobriu que, há apenas uma hora dali, havia um psicanalista que poderia ajudá-los.


Não foi fácil convencer a cunhada de que deveria se submeter a um tratamento. Finalmente, quando lhe explicou que, em alguns casos, a mulher não engravida justamente por culpa da ansiedade em ser mãe, Aparição concordou em ir a uma consulta como última tentativa de, não só realizar seu desejo mais profundo, como também, salvar seu casamento e resgatar o amor verdadeiro que sentia pelo marido.


Acompanhada de Emiliana, chegou ao consultório de doutor Sampaio, em parte arrependida de ter se deixado convencer a estar ali, em parte curiosa com os métodos que seriam usados para descobrir qual o seu problema e solucioná-lo. Seria hipnotizada? Ou talvez o doutor lhe receitasse remédios que a fariam andar como um zumbi e se comportar como a boa menina que sempre fora? Ou então descobriria que a culpa era dos seus pais que não a amaram o suficiente, ou talvez, amassem o suficiente demais? E, por fim, regressaria à infância e despertaria horas depois, com o polegar na boca e em posição fetal, deitada num divã de couro, com a promessa de que estava curada de seus medos? Enquanto pensava nessas coisas, um homenzinho baixo e de poucos cabelos abriu-lhe a porta do consultório, dirigiu às senhoras  um sorriso paterno e chamou-a pelo nome:


- Maria Aparição Lopes Gentil?


- Sou eu. – ela disse enquanto seguia em direção ao doutor – E esta é minha acompanhante, dona Emiliana Gentil. Ela também pode entrar na sala?


- Receio que não. Acompanhe-me, por favor. – e dirigindo-se à Emiliana – Ela estará de volta em uma hora.


A sala não era como imaginava. Nas paredes brancas não havia quadros, ou estantes abarrotadas de livros, nem diplomas emoldurados para comprovar a capacidade do psiquiatra; apenas um relógio na parede oposta à janela, disposto de forma que, tanto analista como analisado poderiam vê-lo se girassem levemente a cabeça para a direita ou esquerda, de acordo com o lugar onde estivessem sentados. Bem no centro havia uma mesa de madeira escura, baixa, com alguns livros, um bloco de anotações, uma caneta e uma caixa de lenços. A seu lado, uma cadeira de couro preto e, em frente a ela, um sofá de dois lugares de chenile verde-musgo. Obviamente, uma pessoa adulta não ficaria confortável deitada ali. Isso deixou Aparição confusa sobre se estava no lugar certo; mas estava.


- Sente-se, por favor – falou o doutor Sampaio, e Aparição obedeceu – O que a trouxe aqui, senhora Gentil?


Diante dessa pergunta Aparição emudeceu. Permaneceu assim durante toda a hora da consulta, e só se levantou quando o doutor lhe dirigiu a palavra novamente:


- Semana que vem, mesmo dia, mesmo horário?


Ela assentiu com a cabeça e saiu. Voltou para casa calada, com ódio, mas sem conseguir distinguir o motivo, resolvida a nunca mais por os pés no consultório daquele homenzinho arrogante que, ao invés de lhe tranquilizar o espírito, acrescentou aos seus tormentos, muitos outros com aquela pergunta infeliz: - O que a levou a buscar ajuda? O que a levou até lá? O que a levou até ele?


Passou a semana pensando em como responder aquela pergunta de forma sincera e percebeu que não era só o desejo de ser mãe, ou seus problemas no casamento. Quando começou a refletir sobre o que a fez pedir ajuda queria desesperadamente que alguém a respondesse quem era de verdade. Desde menina queria casar e ter filhos porque acreditava firmemente que estaria completa e realizada como sua mãe parecia ser. Não conhecia nenhuma mulher feliz sem uma família, a não ser a cunhada, mas não possuía a coragem e a estrutura emocional da amiga para lidar com a língua ferina e os olhares atravessados. Sua infelicidade e frustração a fez colocar em dúvida o amor antes inabalável que sentia por Horácio e pensou que, talvez devesse ter se preocupado em estudar e tentar ser independente dele. Gostaria que suas escolhas tivessem sido feitas porque realmente eram suas, mas tinha a impressão de ter se deixado levar pelos sonhos dos outros, pelos planos dos outros. Na verdade sonhava em casar e ter filhos, mas não eram seus únicos sonhos. Queria viver mil coisas numa só vida e sabia que, qualquer que tivesse sido sua escolha, lamentaria pelas opções que deixou de lado.  Uma simples pergunta fez com que Aparição pensasse em tudo o que escondeu de si mesma durante toda a vida e, agora precisava descobrir a resposta para ela.


Voltou ao consultório, mas levou algumas sessões para começar a falar sobre o que a afligia. Recordou sua infância e a relação com os pais, como conheceu Horácio e a amizade com Emiliana, porque se anulou intelectualmente e jamais se formou professora como sonhara na adolescência. Falou de como admirava a mãe e de como se parecia com ela agora, obediente a um marido que não a deixava estudar ou trabalhar por ciúmes. Pensou que, talvez, um filho a deixasse ocupada o suficiente para não pensar na vida, e descobriu o quanto esse era o motivo errado. Começou a desvendar seus dramas e acreditou que não havia pessoa mais confiável no mundo que o Dr. Sampaio. Um dia, dirigiu-se para ele depois de uma sessão e perguntou:


- Você me acha bonita, Henrique?


- Você se acha bonita?


- Agora acho.


- Por que só AGORA?


- Porque você me fez me enxergar melhor. – E lançou um olhar lascivo, do qual se envergonhou depois, quando chegou a casa.


Aparição voltou a vestir-se com graça e feminilidade, coloriu o guarda-roupa e colecionou sapatos; passou a cuidar de sua aparência com prazer, e perfumava-se com flores para qualquer lugar que fosse. Passou a comprar romances e carregava sempre um sorriso estampado nos lábios, e caprichava mais nos dias de consulta, certa de que estava apaixonada e era entendida como o amor mais puro e forte que já tinha experimentado na vida e, que esse sim, era o homem que a merecia. Horácio percebeu as mudanças na esposa, mas teve medo de perdê-la e sofreu calado, suplicando a Deus que a trouxesse de volta quando tudo acabasse e ela recobrasse o juízo.


Dr. Henrique Sampaio continuou seu trabalho da maneira mais profissional que pode, mas as investidas de Aparição encontraram uma brecha nos seus muitos anos de solidão desde a morte da esposa e do único filho num acidente. Quando percebeu que a paciente invadiu seus sonhos, nua, com os cabelos loiros cobrindo os seios, e as mãos sobre a púbis qual Vênus de Milo, decidiu que a passaria para um colega e se distanciaria para salvar a carreira e a sanidade, mas, quando olhava em seus olhos enigmáticos, suplicantes de ternura e redenção, desejosos de amor e confusos, fraquejava como jamais antes na vida e sentia o coração descompassar, certo de que não poderia viver sem as duas pedras de jade fixadas em sua própria retina. Adiava a decisão de abandonar o caso, e sabia que era a decisão errada porque já não distinguia no que ajudava e no que era prejudicial à mulher que o revirou pelo avesso, depois de tantos anos de imparcialidade e profissionalismo.


Quando relatou ao seu analista o que estava acontecendo, foi orientado a por um fim neste despropósito o mais rápido possível, para seu próprio bem. Sem forças para tomar tal atitude, resolveu distanciar-se gradativamente e, comunicou a Aparição que viajaria por duas semanas para um seminário e que só voltaria a atendê-la dali a quinze dias.


Para ele esses dias foram de saudades e tormentos. Sentia-se como um viciado em reabilitação, passando por todas as fases das crises de abstinência. Entregou-se ao desespero e resolveu que precisava acabar com esse suplício. Chegou ao fim das duas semanas, seguro de que o certo a fazer era transferir sua paciente a um colega e descansar alguns dias no campo até que tudo não passasse de uma lembrança ruim.


Só não contava com o que encontraria ao retornar ao seu consultório para receber Aparição no que seria uma despedida. Em seu íntimo, sabia que o que deveria fazer não era o que desejava, e pensava que, por mais difícil que fosse romper, a resistência de Aparição o consolaria. Qual não foi sua surpresa ao receber, no lugar da moça, um envelope endereçado a ele, de dentro do qual tirou uma carta que leu com a porta fechada e um aviso para não ser incomodado:









Doutor Sampaio colocou a carta no envelope e guardou-a em sua gaveta, fechada à chave. Deixou-se cair na cadeira e sentiu um misto de alívio e dor. Ligou para os empregados do sítio e deu ordens para preparar a casa, pois chegaria em dois dias para uma temporada no campo.


Enquanto isso, na casa da família Gentil, Aparição entregava-se ao marido com o ardor das primeiras núpcias. Reafirmou seus votos de esposa apaixonada e tirou de dentro do porta-joias a aliança de galho que Horácio lhe dera há tanto tempo, deixando o marido emocionado. Pouco tempo depois, enquanto voltava da faculdade, sentiu os primeiros enjoos e percebeu que seu maior sonho estava a caminho. Agradeceu aos Céus que estivesse pronta para receber o milagre.



  

 




Meu dia de sorte



A manhã estava leve, parecia suspensa no ar. Eu sabia que alguma coisa estava para acontecer. Alguma coisa realmente muito boa. Quando saí de casa em direção ao colégio pensei que talvez você não fosse ao passeio e, por alguns segundos me distraí pensando em como dependo disso para que meu dia seja ótimo. A oportunidade é excelente, porque teremos só o professor Claudio como responsável e ele não é o que podemos chamar de uma pessoa atenta. Que sorte a Diretora Hélvia não poder ir. Agora sei que tenho uma chance de me declarar! Se você soubesse... desde a primeira vez que te vi senti que não suportaria outra realidade que não fosse ver o mundo refletido em suas pupilas. A maneira inebriante como balança seus cabelos, como anda ritmada, seu sorriso de dentes perfeitamente enfileirados, tudo isso se tornou imprescindível para a minha sobrevivência. Então repassei mais uma vez o plano do que eu diria. Entretanto, você foi e eu não pude falar nada. As mãos suando, a pálpebra esquerda fazendo movimentos involuntários, a noite insone me deixou com olheiras de panda e eu tive certeza de que gaguejaria. Como poderia convencê-la de que sou o cara certo para você se não passo de um amontoado de insegurança e caos? Sua perfeição me intimida. Sou um adolescente idiota e você é minha “deusa coroada”. Não posso me declarar, isso não tem a menor chance de dar certo.

Acabou o passeio, chegamos à escola e, daqui a pouco iremos para casa. Fracassado, sentei-me na quadra para esperar um pouco o ponto de ônibus esvaziar. De repente, mãos suaves cobriram meus olhos e eu percebi de quem eram pelo perfume adocicado que as acompanhava.

- Catarina? – as mãos me deixaram e eu ouvi uma risada musical.

- Esperei que você ficasse sozinho durante todo o dia. Preciso falar contigo, Caio...

Não disse que alguma coisa realmente boa aconteceria hoje?! 

Amigo Advogado!




Sem saber como ou por que, Amaro achou-se num lugar que dava a impressão de ser uma sala, mas havia uma amplitude em seus limites que o deixou confuso quanto à definição que poderia fazer do local. Deve ser a claridade – ele pensou – e, provavelmente o fosse. Jamais havia conhecido um ambiente tão claro. Viu que não muito longe de onde estava havia um banco onde algumas pessoas aguardavam sentadas. Dirigiu-se para lá e falou com o último da fila:

- Posso me sentar?

- Oh, sim, faça o favor.

- Amaro.

- Hã? Ah, sim, Cristiano. Desculpe-me, eu prestava atenção à chamada.

Só então percebeu que as pessoas levantavam-se à medida que eram chamadas por um homem belíssimo e vestido de branco, postado ao lado de uma porta enorme e muito brilhante. Amaro tentou ver o que as esperava do outro lado, mas uma luz intensa saía da porta e era impossível olhar para ela quando aberta. Confuso e curioso, Amaro perguntou:

- Chamada?

- Sim. Estão chamando as pessoas por ordem de chegada.

- Ah, entendi. Há quanto tempo está aqui?

- Não muito. Não sei dizer precisamente quanto. Parece pouco, mas ouvi um cara dizer que o tempo aqui simplesmente não existe.

- Não existe?! Que curioso. Você sabe dizer onde estamos? Tudo isso é muito estranho, agora pouco eu ia para o trabalho e...

- É eu sei. Também fiquei arrasado quando soube. Quer dizer, é uma loucura não?

- Na entrada disseram que... Mas não pode ser! Talvez esteja sonhando...

- Não, não. Sonho eu sei que não é. Olha, sei que é difícil de aceitar, já questionei de tudo o que é jeito, mas a verdade é que...

- Estamos mortos?

- Exatamente, eu não teria definido melhor.

- O que é isso então?

- Uma espécie de entrevista, algo do tipo: esclareça suas dúvidas. De que você morreu?

- Acho que enfartei. Não sei, foi tudo muito rápido, pode ter sido um acidente também.

- Hum... Eu fui atropelado. Ia para o trabalho de bicicleta quando um carro desgovernado me atingiu. Uma estupidez. Se não estivesse de fones de ouvido, talvez tivesse escutado alguma coisa, vai saber. O pior é que muita gente me avisou que acabaria desse jeito, mas já estava tão acostumado que achei que, se fosse para acontece já teria acontecido. Autoconfiança, às vezes, prejudica mais que ajuda. A correria também, a rotina agitada... Não quero fugir à responsabilidade, mas trabalho muito e estou sempre correndo. Sou, ou melhor, costumava ser professor de dança. Ganhava por aula e trabalhava em duas academias. Tinha o hábito de escutar as músicas das aulas e repassar os passos mentalmente, inventando coreografias enquanto me deslocava de um trabalho para o outro de bicicleta. Parece que economizar tempo não foi uma boa decisão.

- Que isso! Não se culpe. Pelo menos sua responsabilidade foi indireta. Meu caso é bem diferente. Venho me matando lentamente há alguns anos, fui o único responsável pelo que me aconteceu. Cultivei hábitos nocivos para a saúde e o resultado é este que vemos agora. Quando garoto, costumava jogar bola, andava de bicicleta, nadava com meus amigos num rio perto de casa; na adolescência virei o garoto rebelde e acabei adquirindo hábitos terríveis. Fumava, bebia demais nas festas e não parei mais. Depois de casado, ainda somei a isso, uma dieta gordurosa e o estresse das responsabilidades de um chefe de família. Veja você que eu fumava quatro maços de cigarro por dia! Uma locomotiva humana – dizia minha mulher. Ainda ontem acordei indisposto, com uma dorzinha nas costas, mas ao invés de procurar o médico, tomei um analgésico por conta própria e pedi à mulher para fritar dois ovos com bacon para o café-da-manhã. Ah, eu bebia café o dia inteiro!

- Cara, você se envenenava!

- E tem mais, sempre almoço na rua durante a semana e ontem fui a um restaurante perto do escritório que serve feijoada às quintas. Sou freguês. Comi dois pratos bem servidos e voltei para o trabalho.

- O que você fazia?

- Era advogado criminalista. E dos bons! Meu currículo era invejável, mas tudo tem o seu preço. Agora percebo que passei mais tempo trabalhando do que deveria. Não consigo me lembrar da última vez que saí de férias com a família, ou de ter dormido mais de cinco horas por noite. Só via meus filhos quando eles já estavam dormindo, ou de relance entre um compromisso e outro. Isso me enchia de culpa e eu vivia angustiado. Minha esposa cansou de me avisar, aliás, sobre muitas coisas, mas fui arrogante demais para escutá-la. Sei o quanto isso é óbvio, mas gostaria de ter feito diferente. Gostaria de ter tido uma vida mais saudável, com espaço para cuidar de mim e dos que amo. Fui um idiota em adiar a caminhada e a dieta. Estou muito arrependido de não ter ido ao médico assim que me senti mal. Para você ter uma idéia, não ia ao médico há uns seis ou sete anos.

- Não estou surpreso que tenha infartado, mas se te consola também estou aqui. Eu era vegetariano, malhava cinco vezes na semana, fazia check up uma vez ao ano...

- É, mas no seu caso foi acidente. Não se pode prever um acidente. Se não fosse tão tarde, eu mesmo te representaria nesse caso. Você poderia ganhar uma boa indenização. É uma pena.

- Uma pena!

- Como eu estava dizendo, caminhei direitinho para os braços da “indesejada”. Quando minha dor aumentou à noite, tomei mais analgésicos e fui para a cama. No dia seguinte, minha cabeça estourava. Engoli mais algumas pílulas e um copo grande de café. A caminho do trabalho a dor aumentou e tive um ataque enquanto dirigia. Não consigo lembrar muita coisa porque a dor me desorientou, mas sei que meu pé pressionou o acelerador e atravessei os cruzamento das ruas tal e tal direto num poste. Se não foi o ataque que me trouxe aqui, com certeza foi o acidente.

- Não acredito, fui atropelado hoje nesse mesmo cruzamento! Você me atropelou advogado! Mas que filho-da-mãe! E que situação mais absurda a nossa, não?!

- Meu Deus, não pode ser! Nem sei o que te dizer além de sinto muito, de verdade. Você tem certeza? Porque não me lembro de ter atropelado ninguém. Talvez algum de nós esteja errado quanto ao lugar do acidente, talvez...

- Não há engano algum, amigo advogado. Há na verdade uma grande ironia. Percebe?

- Não estou entendendo. Do que está falando?

- Ora, amigo advogado, é simples: sempre tive uma vida saudável e você era o meu extremo oposto. Eu acreditava que viveria muitos anos graças ao meu estilo de vida, mas atravessei seu caminho e isso foi decisivo para mim. É certo que você morreria de qualquer forma, mas eu não tive sorte. Daí conclui que uma vida desregrada não prejudica somente a pessoa que a adota, mas inclusive, os que a abominam. Percebe a ironia?

- Realmente é uma conclusão plausível, mas não a vejo com o mesmo humor com que você a expõe. Sinto-me pior agora. Como gostaria de reverter tudo isso!

- Não posso resistir, preciso te fazer uma pergunta, amigo advogado.

- O que quiser.

- Você ainda pegaria meu caso?