Caminhava lentamente pelas ruas da cidade, pés descalços, a atenção totalmente voltada para dentro. O que procurava não poderia encontrar longe de seu coração, mas precisava provocar as sensações, precisava do estímulo que não encontrava enclausurada em seu apartamento. O vento da noite não trazia nada aos seus ouvidos, nem o barulho das pessoas, nem o cheiro do caminhão de lixo passando... Nada... Nem uma palavra. “Estava perdida”, pensou, “nunca mais escreveria uma linha. Sua fama de excelente articuladora de palavras, de mestra das ideias, de conhecedora da alma humana... tudo ficaria para trás.” O que faria agora, que sua personagem já estava amalgamada em sua personalidade de uma forma tão indiscutível que não saberia viver sem ela? Estranho que o primeiro sentimento não fosse de dor, mas da raiva de ter que admitir aos críticos que eles sempre tiveram razão, que aquilo acabaria um dia. Pensou na amiga de infância que se afastou quando ela começou a fazer sucesso. Ou foi ela quem se afastou de todos? O fato é que agora se sentia como uma câmara escura e fria, uma câmara mortuária, onde nada poderia surgir, a não ser dor, espanto e tristeza. A partir de agora, perambularia pela cidade como uma pessoa comum, sem qualquer dom especial. Será que algum dia fora diferente? Ou sua arrogância a fez pensar que portava algum tipo de missão de levar ao mundo o que ele não poderia ter sem ela?! Que tola! Que menina tola e vazia! Suas palavras não passavam de um rearranjo das de outras pessoas, uma repetição de histórias que alcançaram corações mais vazios que ela. Sentiu-se o maior dos enganos, a farsa do século, e até nisso queria ser grande!
Voltou para casa com os pés imundos e a sensação de que nada a faria sentir novamente as emoções da estreia, aquela sensação maravilhosa de que algo incrível está para acontecer, de que sua vida vai mudar, de que o sonho irá se tornar realidade. O sonho aconteceu há tanto tempo que já nem se lembrava de haver sonhado, e as obrigações da nova imagem que fez de si mesma enterraram bem fundo o sabor de estar vulnerável. Olhou para o homem que dormia em sua cama, para os filhos no quarto ao lado, para todas as coisas que possuía, e sentiu-se a mais solitária de todas as mulheres. Não havia ninguém que pudesse entender o que se passava com ela. Seu sofrimento era incomunicável. Não adiantaria tentar dormir porque o sono não viria. Tomou um banho demorado e chorou todas as suas mágoas, chorou a raiva, a dor, o abandono... Um pouco mais leve, foi até a varanda, e deixou o vento secar a água de seu corpo nu. Um homem que vasculhava o lixo parou e a observou, uma interrogação no rosto. Vestiu-se e desceu pelas escadas, sem paciência de esperar pelo elevador. O homem estava indo embora, mas ela o chamou até que ele não pudesse mais fingir que não a ouvia. Sentaram-se na calçada e conversaram até o amanhecer como dois amigos de longa data que há muito não se viam. Despediram-se depois de um café bem quente da padaria que começava sua rotina, e se foram, lados opostos. Ela entrou, pegou papel e caneta como antigamente e começou a escrever: “Nesses olhos doídos de uma vida de privações, ainda há um homem que observa...”
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