A menina Ametista mal
havia completado quatorze anos quando foi dada em casamento pelo pai a um homem
quinze anos mais velho. Dr. Amaranto praticamente vendeu a filha a um velho
conhecido, evitando, assim, perder a fazenda que pertencia à família há mais de
cinco gerações.
Mariano Lorenzo, ao
contrário do que pensavam as más línguas da cidade pretendia casar-se com
Ametista porque não suportava injustiças, e teve pena de ver a moça ser
negociada pelos armazéns da cidade como um carregamento de café. Além do mais,
estava mesmo procurando uma esposa e decidiu que seria Ametista. Assim, estava
fazendo o bem a muitas pessoas com uma mesma atitude: Dr. Amaranto teria o
dinheiro que precisava, Ametista estaria protegida e ele teria uma companhia em
casa. Dr. Amaranto marcou um jantar para que os noivos se conhecessem e Mariano
soube, no exato momento que pos os olhos em Ametista, que a amaria para o resto
de sua vida.
Casaram-se depois de
três meses, em cerimônia íntima, a qual só compareceram os familiares. A noiva,
totalmente ignorante dos planos de seu futuro marido, não parava de chorar.
Trazia uma bonequinha de pano no lugar do
buquê, entregou-a a irmã ao fim da cerimônia e aconselhou-a a fugir do pai
enquanto se abraçavam.
Antes de se recolher ao
seu quarto de esposa, Dr. Amaranto levou-a a um canto e disse:
- Não negues nada a teu
marido porque não aceito devoluções. Sua tia já lhe contou tudo o que precisas
saber para agradares a teu homem?
- Ceio que sim, papai.
- Pois bem, não me
envergonhes e seja uma boa menina. Ele agora é o seu dono, e a família dele,
sua família.
Ao entrar no quarto,
pensou em jogar-se da janela, mas calculou que a altura não a mataria e também
tinha medo de ir para o inferno. Vestiu a camisolinha branca que a esperava
pendurada no cabideiro e aguardou pelo homem que não conhecia direito, mas já
odiava. Quando Mariano apareceu, sentiu que não precisava ter medo, e resolveu
enfrentar seu destino com dignidade. Esticou-se na cama de casal e levantou a
camisola até a cintura; virou o rostinho para o lado e esperou sobreviver
àquela noite. Mas o marido lhe baixou a camisola, pediu que se sentasse e
disse:
- Ametista, o que vou
lhe dizer, talvez não compreendas agora, mas gostaria que ouvisse com atenção.
Desde que te vi na casa de teu pai meu coração não mora mais em mim. Amei-te
sim, e justamente por isso seria incapaz de lhe fazer qualquer mal. Tenho meu
orgulho e não quero obrigar minha própria mulher a me amar, muito menos a me
suportar por medo. Por isso, gostaria de lhe fazer uma proposta vantajosa para
nós dois. Preciso de alguém que cuide da casa para mim. Como sabe, fiquei viúvo
do primeiro casamento quando minha esposa morreu no parto. Desde então, minha
mãe cuida de meu menino, mas ela já é velha e não durará para sempre. Preciso
de uma mulher que me ajude e me faça companhia. Por outro lado, você estava
numa situação delicada. Prometo não te tocar até que você esteja pronta. Só o
que peço é que sejamos amigos e cuidemos um do outro. Tem minha palavra de que
eu libero você de seu compromisso se completar a maioridade e não quiser mais
viver ao meu lado.
Estava claro no rosto da
menina que ela havia sido pega de surpresa.
- Não sei o que
dizer... Estava pronta para tudo, menos
para isso. Também não tenho opção, certo?
Se bem entendi, ou aceito sua proposta, que é bem melhor do que pensei
que fosse me acontecer hoje, ou volto para o meu pai e corro o risco de parar
nas mãos de um homem muito menos misericordioso.
- Eu não te devolveria.
Você pode ficar de qualquer jeito, mas estou sendo sincero e abrindo meu
coração. Sei que é uma moça sensata, não acha justo que sejamos amigos?
- Claro. Mas, se não for
pedir muito, gostaria que minha irmã fosse poupada de ter um destino incerto
nas mãos despreparadas de meu pai. Se você pudesse falar com ele...
- Não se preocupe.
Paguei o preço pelas duas e seu pai se comprometeu comigo, mediante uma quantia
razoável, de que sua irmã só se casaria quando, e se decidir, e com quem
escolher.
- Vejo que o que sentes
é sincero e forte. Aceito sua proposta, mas receio que não possa garantir que
vá me apaixonar e chegar a amá-lo.
- Isso é comigo. Não
tenho pressa. Só te peço, por enquanto, que me ajudes com a casa. O resto a
gente vê depois.
- Está bem. Cuidar de
uma casa eu sei.
Ametista estendeu a
mãozinha a Mariano e ambos selaram o acordo com um brinde de água. Ele
deitou-se no sofá de frente para a cama, e ela sumiu entre os travesseiros do
leito conjugal.
Os dois tornaram-se os
melhores amigos, e viviam um para o outro tão dedicadamente, que não havia quem
pudesse duvidar que não fossem apaixonados. Ametista cuidava da casa com a
firmeza de uma velha senhora, Mariano andava mais bem vestido, estava mais
disposto no trabalho e até engordara um pouco. Depois de algum tempo, Ametista
mandou que trouxessem sua sogra e o enteado para que vivessem todos juntos, e a
felicidade de Mariano não poderia ser maior.
Os anos passaram e a
família se manteve em harmonia, mas Ametista sentia-se pressionada com a
chegada de seus vinte e um anos. Ela sofria por constatar que, mesmo que o
marido fosse o melhor dos homens e que sua vida fosse desejável até para a mais
desalmada das mulheres, não havia se apaixonado por Mariano. Há dois anos sua
irmã caçula encontrou o amor e casou-se. Ouviu seus relatos de paixão
angustiada, de sensações de morte a cada correspondência trocada com o noivo,
acompanhou as providências para o casamento e esteve com a irmã até o momento
de entregá-la ao marido. Depois que o jovem casal voltou de lua-de-mel,
instalou-se numa casa espaçosa e romântica na vizinhança e, todas as vezes que
as irmãs se visitavam Ametista percebia que nunca havia tratado o marido com
tantos carinhos, e que havia entre eles certo constrangimento até quanto a
questões sentimentais. Isso a fez concluir que nunca se apaixonou, mesmo que
Mariano merecesse mais que todos ser amado, ela não enlouquecia na sua
presença. Antes, entre eles se formou uma sólida amizade, e sabiam ler os
pensamentos um do outro com tanta eficácia que quase não precisavam se falar. Riam
juntos e se divertiam bastante na companhia um do outro, porque suas almas se
agradavam das mesmas distrações e passatempos. Quem os conhecia na intimidade
do lar, julgava ser impossível que duas pessoas buscassem tanto o bem-estar uma
da outra como no caso deles. Ametista, porém, não enxergava essa cumplicidade
como amor, entendia que só poderia ser gratidão e carinho o que a ligava a
Mariano, e ele não merecia tão pouco.
Quando completou vinte e
um anos, Ametista ganhou um apartamento na cidade e a mais espetacular festa de
aniversário. Era, ao mesmo tempo, uma comemoração e uma despedida. Separaram-se
dois meses depois, ainda unidos pela amizade e algumas formalidades jurídicas.
Acontece que nem sempre
sabemos identificar nossos sentimentos e, na solidão da vida de descasada,
Ametista compreendeu que não era apenas amizade o que sentia por Mariano. É bem
verdade que não estremecia ao seu toque, nem sua cabeça girava ao som de sua
voz, mas longe dele sentiu-se incompleta e vazia. Seus dias arrastavam-se sem
sentido e acordava à noite com angústias de não poder ver o marido nunca mais.
Antes que completasse um mês longe da família que aprendera a amar, reuniu toda
a coragem que tinha e resolveu voltar à fazenda e declarar todo o sentimento
recém descoberto. Queria viver com ele até o fim de sua vida, feliz e cheia de
filhos.
A viagem de volta durou
quase um dia inteiro por culpa das chuvas de verão que castigavam a região
todos os anos, provocando enchentes e desmanchando o barro das estradas. Para
não atolar, o motorista teve que parar várias vezes e esperar que estiasse um
pouco. À medida que se aproximava, o coração de Ametista batia mais forte.
Pensava nos anos que passou ao lado de Mariano, nas vezes todas que riram
juntos, e em outras que choraram juntos também. Como naquela vez que ele perdeu
toda a safra de café por causa dos vendavais que atingiram a cidade fazendo os
rios subirem e alagando tudo na região, como esse que contemplava da janela do
ônibus. Estiveram juntos por tanto tempo e com tanta liberdade, que não havia
percebido o momento exato que se permitiu amar, apesar de ter jurado para si
quando menina jamais pertencer a homem algum. Agora, pelo contrário, sentia que
pertencia a Mariano e só a ele, e que nenhum outro poderia ter morada em seu
coração.
Estava tão distraída em
seus pensamentos, que não percebeu o alvoroço instalado na frente da casa
principal quando o ônibus parou na entrada da fazenda. Só depois de ter se
aproximado o suficiente para ouvir os comentários foi que notou que alguma
coisa estava muito errada. Ao mesmo tempo em que precisava saber do que se
tratava, teve medo. Uma certeza invadiu seu coração e soube que toda aquela
agitação estava relacionada a Mariano. Teve vontade de chorar, mas se conteve.
Subiu as escadas da varanda de dois em dois degraus, e atravessou a sala com a
rapidez de um pensamento, parando abruptamente quando viu a sogra sair do
quarto do filho, a expressão de quem viu um fantasma ou coisa pior. Ao cruzarem
os olhos, correram para os braços uma da outra, e dona Hildebranda contou tudo
a Ametista:
- Minha filha, que
tristeza! Hoje cedo... Estava tudo tão bem... Exceto pelo fato de estarmos com
saudades de você, claro. Mariano sofria muito com sua ausência. Desculpe-me,
mas é a verdade.
- Imagine dona
Hildebranda! Não há o que se desculpar. Ter partido foi mesmo uma bobagem. Mas
diga-me, o que houve?
- Pois é... Ele estava
trabalhando como sempre e parou para almoçar mais tarde porque precisava
terminar todo o trabalho antes da chuva cair. Deitou-se depois do almoço nas
espreguiçadeiras da varanda e, não tinha dez minutos que fechara os olhos,
escutou os gritos dos rapazes por causa de um cavalo que fugiu para a estrada.
Mandou que Vicente corresse para a curva para sinalizar enquanto ele puxava o
bicho, mas um ônibus vinha em sentido contrário, com a visão prejudicada pela
chuva que começava a cair, e não viu meu menino. Passou a noite em agonia, e o
doutor garantiu que não terá outra.
Ametista não sabia o que
dizer, ficou olhando o rosto daquela senhora sentada a sua frente. Queria
abraçá-la, confortá-la, mas não tinha forças. Talvez, nesse exato momento, o
homem que a amou mais que tudo, e que ela descobriu amar também, estivesse
partindo sem ter ouvido dela uma única vez as palavras mais verdadeiras que
decidira falar em sua vida. E tudo isso porque deixara o tempo passar demais.
Tantas oportunidades perdidas, tanto amor recusado, tanto desejo contido...
- Dona Hildebranda,
posso vê-lo?
- Claro que sim,
querida. Sinto dizer que ele está inconsciente, mas vá.
Ametista entrou no
quarto e a imagem que viu ficou marcada em sua memória até a noite de sua
morte, sessenta e quatro anos depois, no mesmo quarto, sobre a mesma cama. Aproximou-se
do marido e, devagar, segurou suas mãos. Declarou todo o amor que sentia por
ele, sentada na cama ao seu lado, pediu desculpas pelo atraso das palavras e
jurou cuidar de sua família até o último de seus dias, casta, e que assim
encontraria com ele na eternidade.
Uma lágrima correu pelo
rosto de Mariano, e Ametista entendeu que ele havia concordado com sua decisão.