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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O Talismã do Tapeceiro






Há muitos anos, quando Poço das Almas ainda era uma pequena aldeia, vivia por lá um tapeceiro de nome Álvaro, que trabalhava diligentemente na esperança de juntar o dinheiro necessário para o dote de sua amada. Era do conhecimento de todos os habitantes do lugar que Álvaro e Piedade haviam se apaixonado ainda na infância, e que só a pobreza do rapaz os impedia de começar uma vida juntos. O pai de Piedade não era rico, mas não admitiria que a filha tivesse, ao casar, uma vida mais dura que a que ele podia dar.

O desejo de merecer Piedade fez com que o tapeceiro vivesse somente com o que fosse necessário para sua sobrevivência, mas todo o seu esforço era inútil, pois nunca chegava à quantia que bastasse para o pai de Piedade. Na verdade, seu Hamilton queria casar a filha com um homem rico, e sabia que conseguiria se insistisse.

Alertado pelos amigos de que perderia Piedade para o filho de um grande fazendeiro das redondezas, Álvaro reuniu seus mais belos tapetes e partiu para uma viagem pelas cidades próximas, numa tentativa desesperada de vendê-los e obter o suficiente para casar-se com o amor de sua vida. Alugou uma carroça com o ferreiro prometendo pagar-lhe ao voltar, e partiu de madrugada deixando um bilhete para Piedade preso à janela do quarto da moça.

Visitou aldeias, cidades, vilas, e todas as casinhas que encontrou pelo caminho, mas pouco vendeu. As coisas estavam difíceis aquele ano, e as pessoas não podiam gastar em nada que não fosse comida. O que Álvaro conseguiu mal dava para pagar o aluguel da carroça e comprar mantimentos para ele e o jumentinho que o acompanhava naquela dura empreitada. Desanimado, resolveu voltar para casa porque sabia que gastaria menos do que se persistisse naquele despropósito; pegou o atalho pela Floresta Descomunal, atravessando o Lago das Intempéries em seu ponto mais perigoso. O tapeceiro sempre fora daqueles homens que não se assustam com nada, real ou inventado, que atravesse seu caminho, mas quando saiu do lago e percebeu que estava perdido, desesperou-se. A única ameaça que infundia gelo em seus ossos era a de ficar sem Piedade, no mais era apegar-se em Deus e enfrentar com honra. Mas se demorasse demais para encontrar o caminho de volta para casa, certamente perderia a amada, e isso não poderia permitir.

Enquanto pensava no que fazer diante de uma emergência tão grave como aquela, escutou gemidos sufocados que pareciam vir de um lugar não muito distante de onde estava. Partiu na direção dos sons agonizantes e, depois de alguns minutos, deu com uma senhora presa até a cintura numa cova cheia de lama, aberta para capturar animais de caça, muito comum por aquelas bandas.

- Por favor, meu filho, tire-me depressa daqui! – implorou a senhora.

- Espere um minuto, senhora, - respondeu o rapaz – pensarei em alguma coisa.

- Seu jumento! – disse ela – Amarre uma corda nele e jogue a outra ponta para mim. E enquanto ela falava, a lama foi cedendo mais rápido e ela quase desapareceu.

Num impulso de salvar a velha, Álvaro desaparelhou o jumento, amarrou uma corda em seu pescoço e atirou a outra ponta em direção ao poço de lama. O peso da senhora somado à força da sopa de terra que a segurava, foram demais para o jumentinho e ele também foi parar no poço. Mas antes que ele submergisse por completo, a senhora ganhou energia e conseguiu escalar o bicho até a borda do poço, onde foi puxada por Álvaro. O rapaz ainda tentou salvar o animal, mas foi em vão.

Depois que conseguiram se restabelecer, a mulher olhou para Álvaro e disse:

- Sinto muito pelo animal, meu filho. Chamo-me Bibiana e moro há anos nesta floresta perdida. Há anos não tenho contato com ninguém e já desistia de lutar quando você apareceu. Sei que é minha responsabilidade o que aconteceu a seu jumento, portanto quero te recompensar com um presente muito valioso.

- Não é necessário, fiz o que deveria ter feito. Jamais me perdoaria se deixasse de socorrer alguém em apuros.

- Faço questão. Além do mais, vejo em seu coração que você precisa muito do que tenho a oferecer. Venha comigo.

E Álvaro não soube dizer não ao chamado. Caminhou por entre a densa mata puxando a carroça com os tapetes, mesmo depois que Bibiana o garantiu que seus produtos não seriam mais necessários. Andaram em silêncio até que dessem em uma clareira e uma casinha simples no meio dela, cercada de plantações de temperos, ervas e toda sorte de plantas tropicais usadas pelos índios para os mais variados fins. A casinha, apesar de nitidamente pertencer à outra época, não parecia ter sido vítima do óxido do tempo; suas paredes de pedra brilhavam em resposta aos raios de sol que se esgueiravam pelas folhagens alcançando alguns pontos do lugar; era toda ladeada por uma varanda ampla que desembocava numa escadaria esculpida de acordo com os acidentes do terreno até o meio do pátio, e o telhado era estranhamente parecido com um copo-de-leite emborcado. Álvaro podia jurar que a porta se abriu antes do toque daquela senhora misteriosa, mas antes que pudesse analisar a cena, escutou o convite:

- Entre e se acomode, vou à cozinha preparar um chá.

- Não precisa... – e Bibiana desapareceu subitamente.

Antes que Álvaro pudesse contar todos os livros de receitas estranhas que havia espalhados pela casa, Bibiana voltou carregando uma bandeja com os chás e um medalhão de prata.

- Isto é um talismã, um medalhão da sorte. – disse enquanto estendia o objeto na direção do rapaz – Enquanto mantiver esse cordão pendurado ao pescoço, poderá desejar quase tudo que se tornará realidade.

- Quase?! – perguntou Álvaro, curioso.

- Sim. Há três coisas que o medalhão não realiza para seu dono: ele não pode lhe dar a eternidade, não pode fazer com que pessoas o amem e não pode trazer de volta seus entes queridos que já se foram. Não sendo uma dessas coisas, tudo o mais será seu se quiseres. Mas existe outra coisa que você precisa saber. Nenhum dos seus desejos poderá ser desfeito, pense bem no que vais querer daqui para frente porque será definitivo. – E dizendo isso, colocou o cordão no homem. Álvaro riu, mas agradeceu. E disse tranqüilo:

- A única coisa que desejo agora é achar o caminho para casa.

- Então vá.

Quando o rapaz passou pela porta da casa de Bibiana, ao invés da mata garrida e imponente, estava na trilha que levava a sua aldeia, provavelmente a um dia de caminhada. Precisou de algum tempo para assimilar o acontecido e concluiu:

- A velha falava a verdade!

Imediatamente, levado pelo desejo de chegar o mais rápido possível a casa de sua amada, e em condições de pedi-la em casamento, desejou riquezas, boas roupas e uma comitiva. Tudo apareceu antes de duas piscadelas, e Álvaro se divertiu tanto com a novidade que resolveu encontrar um lugar para estabelecer um castelo, mobiliá-lo, colocar nele animais e empregados, um fosso, alguns guardas, e tudo o mais que pode imaginar. Levou alguns meses assim, a um dia de casa, mas ocupado demais com a arrogância recém adquirida para voltar sem toda a pompa que acreditava merecer agora. Antes de entrar na aldeia, se fez anunciar por empregados durante três dias seguidos, levando presentes aos moradores e tocando trombetas pelas ruas. Quando finalmente resolveu aparecer, descobriu que Piedade havia se casado há alguns meses, que o casamento havia sido o dia mais infeliz de sua vida, e que a tristeza carregou-a para o leito de enferma durante semanas, delirando que seu amado estava vindo para buscá-la. Há exatamente um mês ela não resistiu e morreu. Álvaro soube que esse foi o tempo que passou enlouquecido com as novidades da riqueza e prostrou-se. Levou algum tempo desatinado até que se lembrou de Bibiana e resolveu ir a sua procura pensando que se a matasse, talvez pudesse reverter a situação. Chegou à casinha triste na clareira no meio da mata e encontrou um rapazote tocando uma flauta nos degraus de pedra.

- Rapaz, onde está a bruxa que mora aqui? – perguntou com sangue nos olhos.

- Ela não mora mais aqui não senhor, foi embora hoje cedo e disse que eu poderia ficar aqui.

- Você sabe para onde ela foi?

- Sei não senhor.

- Obrigado, rapaz. Tome cuidado com essa casa que ela é amaldiçoada.

- Senhor!

- Pois não.

- Desculpe a minha ousadia, mas é muito bonito o medalhão que o senhor carrega.

- Pode ficar com ele, mas ainda é pior que a casa. – disse, enquanto atirava o medalhão para o rapaz.

Álvaro partiu para dentro da mata, certo de que alcançaria a bruxa. Assim que ele desapareceu pelas folhagens, o rapazinho se transfigurou em Bibiana e sorrindo disse:

- São engraçados, os homens. Não escutam as advertências que fazemos e transformam o mal em bem. Não satisfeitos, ainda procuram quem os ajuda para agradecer com a morte. Esse nunca mais vai sair desta mata. Está condenado. E o medalhão fica comigo para que eu escolha alguém que realmente o mereça.


  










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