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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O consumista de afetos!







Santiago entrou na cafeteria A Baronesa de olhos atentos como quem procura a pessoa com quem marcou um encontro. Toda quinta-feira era a mesma coisa, escolhia uma mesa no fundo do salão e observava com seus olhinhos oblíquos, por cima dos pequeninos óculos escuros, o movimento das moças que frequentavam o lugar. Tinha a capacidade de se fazer notar apenas quando era de sua conveniência; habilidade muito útil aos seus planos nada honestos. Quando encontrava a vítima perfeita, passava um pente sobre os cabelos engomados, empurrava os oclinhos com o dedo indicador para perto dos olhos, ajeitava a gravata, e partia para o ataque. Convidava-se para sentar com uma desculpa qualquer e discorria sobre algum assunto do universo feminino, geralmente um romance que estivesse na moda, ou o próximo baile dos Gonçalves de Campos Matos. Depois de iniciado o caminho para a cumplicidade, oferecia-se para pagar a conta e, se não fosse atrevimento, acompanhar a senhorita até seu próximo compromisso. Funcionava na maioria das vezes; depois de alguns dias de corte, todas acabavam no hotel da cidade, um lugar discreto e de serviço decente.
Santiago não era desses conquistadores que se aproveitavam das moças para tirar-lhes o dinheiro. Não! Isso ele tinha de sobra! Seu objetivo era tão somente colher daquelas flores em botão seus primeiros carinhos, e os beijos e amores ainda não maculados pelo toque de outro homem. Gostava de inaugurá-las e acreditava que lhes prestava um excelente serviço, garantia-lhes que a primeira vez fosse com um grande entendedor do assunto e com uma classe comparada somente aos de dígitos bem maiores que o dele. O rapaz não gostava das profissionais porque seu objetivo principal não era satisfazer-se fisicamente, na verdade se alimentava do afeto recebido, sentia-se importante e desejado quando era alvo do mais puro sentimento: o primeiro amor. E vivendo um romance por semana livrava-se do estorvo que é um compromisso.
Nessa quinta-feira, porém, conheceu Veneranda e apaixonou-se assim que trocaram olhares. Tinha a moça uma pele emprestada de pêssegos, os cabelos ruivos levemente ondulados caíam-lhe pelas costas, soltos, até os quadris; os olhos eram tão grandes e azuis, que pareciam dois mundos paralelos, postos assim para fazer com que se tenha dúvidas sobre em qual deles se quer viver; e a boca era um convite ao amor. Santiago esqueceu-se de respirar por alguns segundos quando a viu levantar-se e dirigir-se a ele.
- Posso me sentar? – perguntou a menina.
- Claro – respondeu Santiago, pigarreando e esticando o peito.
- Não pude deixar de notar que estava olhando com certa simpatia para mim. Chamo-me Veneranda. E o senhor?
- Santiago. Desculpe-me se dei essa impressão, mas olhava para a rua com certeza, e não para a senhorita.
- Não negue. Sentir-me-ia ofendida.
- Bem, sendo assim, sou obrigado a confessar que me chamastes a atenção. Se me permite dizer, tua beleza...
- Eu sei, minha beleza é também minha maldição. O que é a beleza senão a impressão de que vemos o perfeito quando ele não existe? A beleza é um embuste, meu caro! Ela dura apenas o tempo necessário para te acostumares com ela. Alguns dias comigo e me terás como uma mulher comum.
- Não sei por que, estou começando a duvidar disso.
Veneranda sorriu e abaixou os olhos. Aquele gesto realmente o surpreendeu, não combinava com a mulher decidida e desenvolta que se apresentara a ele. Conversaram por mais algumas horas e Santiago jurava que haviam passado apenas alguns minutos. Ao fim desse tempo, Veneranda levantou-se e perguntou:
- Vamos andar um pouco?
Santiago concordou e saíram da cafeteria sem rumo certo. O mistério que envolvia Veneranda fazia com que ele ficasse ainda mais interessado nela. Conversaram durante toda a tarde, e ele começou a temer que aquele dia chegasse ao fim. Deixava que a moça falasse, na esperança de que se esquecesse da hora de partir. As cinco em ponto, Veneranda dirigiu-se à Santiago e propôs com a naturalidade de quem fala algo trivial:
- Por que não vamos a um hotel?
A proposta deixou Santiago um pouco confuso, mas não era homem de recusar um convite como esse.
- Claro que sim, só não acho que ficaria bem para a senhorita...
- Não se prenda a convenções agora. Por que economizar a vida? Vamos que não tenho tempo para charminhos bobos.
Aquela moça só poderia ter saído de algum sonho do qual Santiago não se lembrava. Cada palavra que saía de sua pequena boca carnuda parecia posta ali por ele próprio. Foi curioso que atendeu ao convite, mas havia uma carta insegurança em suas ações. Afinal de contas, quem seria essa desconhecida?!  Em pouco mais de meia hora de caminhada, chegaram ao hotel onde Santiago mantinha um quarto alugado. A fachada francesa e a rua vazia davam uma impressão ainda mais estranha aquele encontro, como se a qualquer momento algo surpreendente fosse acontecer. O clima de improbabilidade e mistério só fez aumentar o desejo de Santiago por conhecer melhor aquela ruiva irresponsável que fez com que ele sentisse, pela primeira vez, a pontada do amor no coração. Enquanto a moça subia as escadas segurando os sapatos e deixando à mostra os pezinhos delicados, ligados às pernas pelos tornozelos mais lindos que Santiago já havia visto, o rapaz pensava na sorte grande que o alcançara aquele dia e na sincera vontade de perpetuá-lo indefinidamente. Tinha certeza de que encontrara a mulher ideal para dividir seus planos de um futuro promissor e audacioso. Veneranda seria seu cartão de visitas para a sociedade que não o aceitava com simpatia, não por ser um novo rico, mas porque sua herança provinha de uma união condenada por todos entre sua mãe e um conhecido juiz para quem ela trabalhava.  A beleza européia daquela moça misteriosa calaria os mais ferozes críticos defensores da moral vigente. Estava decidido.
Veneranda e Santiago passaram a noite em descobertas mútuas. Realizaram todas as brincadeiras possíveis, conhecidas e inventadas, juraram amor eterno e fizeram planos para o futuro glorioso que teriam juntos. Quando o dia já amanhecia, Santiago fez o pedido de casamento que foi aceito imediatamente.
Ao deixar, porém, o hotel, homens vestidos de branco seguraram os braços da menina ainda na calçada e a empurraram para a ambulância estacionada em frente, dando-lhe injeções para que ela parasse de gritar. Santiago, em desespero, tentou livrá-la de seus sequestradores, mas foi inútil. Foi imobilizado tal qual Veneranda, mas acalmou-se antes de ser sedado e pediu explicações. Os enfermeiros informaram ao moço que ele correra grave perigo aquela noite, pois Veneranda era louca de hospício e, sempre que conseguia fugir, fazia vítimas entre os homens que atraía para o amor. Aquela revelação foi para Santiago um golpe duro demais e o rapaz caiu sentado na calçada com a mão ao peito, mas antes de desmaiar pelo medicamento recebido, Veneranda olhou para o amante relâmpago e revelou:
- Não pude te dar o mesmo fim, pois a semelhança entre nós me fez ser sincera desta vez. Acredite-me, fostes meu primeiro amor.





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